Barra de abas

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Resenha: Call of Cthulhu


Capa da sexta edição
            A primeira questão que muitas vezes vem à mente de quem tem algum contato com esse RPG é: como se pronuncia Cthulhu? Eu prefiro pronunciar “cloo-loo”, que é a forma mais defendida por estudiosos da produção de Howard Phillips Lovecraft (escritor que deu vida aos “Mythos de Cthulhu” [embora esse termo tenha sido criado por outro autor, August Derleth] nas décadas de 1920 e 1930, mas que só veio a se tornar a figura cult que é hoje depois de sua morte em 1937); outros estudiosos já optam pela transliteração fonética “kuh-thoo-loo” (que seria algo como ka-tu-lu em português); a editora Chaosium, responsável pelo RPG Call of Cthulhu diz o seguinte: “Os Mythos de Cthulhu são assim chamados por causa de uma entidade/divindade, Cthulhu (kuh-THOO-loo é a maneira mais fácil, embora não a melhor maneira de pronunciá-lo)”. O que eu aconselho é: chame da forma que achar mais conveniente, desde que todas as pessoas envolvidas (provavelmente o grupo de RPG) entendam do que você está falando!

            Call of Cthulhu é um RPG de terror baseado em parte da obra ficcional de HP Lovecraft. Para Lovecraft, o verdadeiro terror só pode ser provocado por algo que fuja a qualquer possibilidade de compreensão pela mente humana – o famigerado “medo do desconhecido”. Assim, ele criou para seus contos toda uma mitologia de seres alienígenas e extradimensionais diferentes de tudo aquilo que já tinha sido explorado até então nas histórias de terror. Como ter medo de um homem com uma faca quando você visualiza um ser quilométrico emergindo do oceano, junto com uma cidade de arquitetura impossível? Como ter medo de vampiros ou lobisomens quando você contempla um jarro de metal falar, através de instrumentos, que é um ser humano mantido vivo por uma tecnologia alienígena que preserva o seu cérebro indefinidamente? Esse tipo de temática e exploração são o toque pessoal de Lovecraft em seus contos. Ele não explora o medo somente pelo tamanho desses seres, pois o grande Cthulhu (medindo quilômetros de altura) é tão aterrorizante quanto um Nightgaunt (do tamanho de um humano padrão) ou um Mi-Go (um pouco maior que uma lagosta); o horror que essas criaturas inspiram vem de sua natureza alienígena, no sentido mais literal do termo - ou seja, são criaturas cuja anatomia e funções biológicas não obedecem a qualquer padrão que conhecemos e achamos racionais. As descrições de Lovecraft da cidade de R'lyeh, por exemplo, são absolutamente impossíveis de serem feitas em linguagem visual (pintura, desenho...), exatamente por conterem informações estranhas ao universo como o conhecemos – imagine como seria caminhar por uma pedra que você tem absoluta certeza visual de que é plana, mas todo o atrito e gravidade que você sente te levam a crer que você está caindo. É a mais pura poesia ao serviço do terror.
            Os personagens dos jogadores e jogadoras são chamados de investigadores e investigadoras em Call of Cthulhu; isso reflete bem o clima do cenário. Pois a idéia é que as jogadoras e jogadores interpretem pessoas estudiosas e pesquisadoras – professoras e professores de universidades, repórteres, desbravadores e desbravadoras etc. No início da campanha, as personagens nada sabem sobre os Mythos – somente com o decorrer da brincadeira é que vão conhecendo e descobrindo sobre a existência dos “Grandes Antigos” (Great Old Ones) e de toda a mitologia. O sistema de regras é simples, majoritariamente baseado em testes de porcentagem, e com atributos que se encaixam muito bem no clima do cenário; esses atributos são rolados (ao invés de definidos por pontos) e cada um tem uma forma de ser rolado – não chega a ser confuso, mas exige livro de regras em mãos nas primeiras criações de personagens. A ficha conta com sete atributos primários: Força, Constituição, Destreza, Tamanho, Inteligência, Poder e Educação; sete atributos secundários: Idéia, Conhecimento, Sorte, Bônus de Dano, Pontos de Vida, Pontos de Magia e Sanidade; e uma lista de Habilidades, que são as conhecidas perícias. Existem duas coisas interessantes em relação às Habilidades em Call of Cthulhu: primeiro, a Habilidade “Mythos de Cthulhu” (Cthulhu Mythos), que não pode ter pontos na criação do personagem (só é aumentada em campanha, e sempre com roleplay envolvido, não apenas a “mágica dos pontos de experiência) e que tem relação com a Sanidade; segundo, que só podem ser aumentadas Habilidades nas quais o jogador ou a jogadora tenha obtido sucesso em algum teste e sempre com a permissão da/do Mestre (aqui chamado/a de Keeper) – um sistema simples e inteligente para evitar aqueles “mas como que seu personagem aprendeu a esquiar de uma aventura pra outra se ele mora no Rio de Janeiro?”.
            Mas o que realmente me chamou a atenção no cenário e no sistema é a temática sanidade/insanidade; esse é um tema que eu gosto muito de ver explorado (desde que bem feito). O primeiro contato com alguma coisa relativa a sanidade/insanidade nos RPGs que tive foi em “Vampiro: a máscara”, com os Malkavianos; o problema é que na segunda edição do jogo eles eram tratados como os clássicos “louco-bobão” (como por exemplo o Slot de “Os Goonies”), e essa imagem ficou na cabeça das jogadoras e jogadores mesmo depois da tentativa de transformá-los em “loucos-perigosos” (como o  Street-Fighter Vega ou o Coringa do filme “Batman – o cavaleiro das trevas”) - não foi uma boa referência para mim nesse terreno. Depois tive contato com o sistema medo, horror e loucura de Ravenloft, e achei bom, embora o cenário seja infinitamente melhor do que o sistema. Há alguns anos conheci o RPG “Unknown Armies”, que penso ter a melhor combinação de cenário e sistema (não só no tocante à insanidade), mas que nunca tive a oportunidade de jogar (pessoas que querem montar um grupo, ficaadica). Em Call of Cthulhu a questão foi tratada como tudo o mais no livro: com simplicidade e elegância. Vejam o que o livro diz sobre o porque dessa temática ter centralidade no cenário: A maioria das pessoas que sofrem de graves problemas mentais estão nessa condição desde pequenos, e vão lidar com esses problemas por toda a sua vida. Os personagens dos jogadores e jogadoras de Call of Cthulhu tipicamente começam sãos e em pleno uso de suas faculdades mentais. No decorrer do jogo, contudo, eles se defrontam com conhecimentos e entidades de horror alienígena e implicações terríveis. Tais experiências abalam e despedaçam suas crenças em um mundo normal. E isso não é uma exclusividade do RPG, pois nos contos de Lovecraft os “heróis” acabam lidando, de uma forma ou de outra, com a insanidade provocada pela interação com os Mythos. E também acho muito bom esse trecho, que aborda a questão da insanidade do ponto de vista da regras, mas que mostra o foco na interpretação que o sistema propõe: Se uma investigadora ou um investigador tiver ao menos um ponto de Sanidade remanescente, o jogador ou a jogadora ainda tem total controle. O elemento estético de como a jogadora ou o jogador escolhe apresentar o investigador quase-louco ou a investigadora quase-louca representa a essência da interpretação. A medida que a investigadora ou o investigador enfraquece, evidências desse enfraquecimento deveriam se tornar aparentes. Então estar na beira da sanidade requer uma interpretação mais forte, não menor controle do jogador ou da jogadora.
            Está aí, um resumo desse cenário e sistema (em um livro básico de quase 300 páginas, foram vários suplementos – tudo com texto de altíssima qualidade e ótimas imagens) que, espero, ajude a divulgar esse maravilhoso RPG que, infelizmente, nunca foi traduzido para o português.

Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn

Um comentário:

  1. Grande resenha, Marcus César.

    Realmente vale a pena conhecer e jogar esse RPG, na minha opinião, o melhor jogo de horror e investigação.

    Para quem estiver interessado em conhecer um pouco mais à fundo, indico nosso blog, o Mundo Tentacular que trata especificamente deste RPG.

    Grande abraço

    http://mundotentacular.blogspot.com/

    ResponderExcluir