Capa da sexta edição |
A
primeira questão que muitas vezes vem à mente de quem tem algum contato com
esse RPG é: como se pronuncia Cthulhu? Eu prefiro pronunciar “cloo-loo”,
que é a forma mais defendida por estudiosos da produção de Howard Phillips Lovecraft
(escritor que deu vida aos “Mythos de Cthulhu” [embora esse termo tenha sido
criado por outro autor, August Derleth] nas décadas de 1920 e 1930, mas que só
veio a se tornar a figura cult que é hoje depois de sua morte em 1937);
outros estudiosos já optam pela transliteração fonética “kuh-thoo-loo” (que
seria algo como ka-tu-lu em português); a editora Chaosium, responsável pelo
RPG Call of Cthulhu diz o seguinte: “Os Mythos de Cthulhu são assim
chamados por causa de uma entidade/divindade, Cthulhu (kuh-THOO-loo é a maneira
mais fácil, embora não a melhor maneira de pronunciá-lo)”. O que eu
aconselho é: chame da forma que achar mais conveniente, desde que todas as
pessoas envolvidas (provavelmente o grupo de RPG) entendam do que você está
falando!
Call
of Cthulhu é um RPG de terror baseado em parte da obra ficcional de HP
Lovecraft. Para Lovecraft, o verdadeiro terror só pode ser provocado por algo
que fuja a qualquer possibilidade de compreensão pela mente humana – o
famigerado “medo do desconhecido”. Assim, ele criou para seus contos toda uma
mitologia de seres alienígenas e extradimensionais diferentes de tudo aquilo
que já tinha sido explorado até então nas histórias de terror. Como ter medo de
um homem com uma faca quando você visualiza um ser quilométrico emergindo do
oceano, junto com uma cidade de arquitetura impossível? Como ter medo de
vampiros ou lobisomens quando você contempla um jarro de metal falar, através
de instrumentos, que é um ser humano mantido vivo por uma tecnologia alienígena
que preserva o seu cérebro indefinidamente? Esse tipo de temática e exploração
são o toque pessoal de Lovecraft em seus contos. Ele não explora o medo somente
pelo tamanho desses seres, pois o grande Cthulhu (medindo quilômetros de
altura) é tão aterrorizante quanto um Nightgaunt (do tamanho de um humano
padrão) ou um Mi-Go (um pouco maior que uma lagosta); o horror que essas
criaturas inspiram vem de sua natureza alienígena, no sentido mais literal do
termo - ou seja, são criaturas cuja anatomia e funções biológicas não obedecem a
qualquer padrão que conhecemos e achamos racionais. As descrições de Lovecraft
da cidade de R'lyeh, por exemplo, são absolutamente impossíveis de serem feitas
em linguagem visual (pintura, desenho...), exatamente por conterem informações
estranhas ao universo como o conhecemos – imagine como seria caminhar por uma
pedra que você tem absoluta certeza visual de que é plana, mas todo o atrito e
gravidade que você sente te levam a crer que você está caindo. É a mais pura
poesia ao serviço do terror.
Os
personagens dos jogadores e jogadoras são chamados de investigadores e
investigadoras em Call of Cthulhu; isso reflete bem o clima do cenário. Pois a
idéia é que as jogadoras e jogadores interpretem pessoas estudiosas e
pesquisadoras – professoras e professores de universidades, repórteres,
desbravadores e desbravadoras etc. No início da campanha, as personagens nada
sabem sobre os Mythos – somente com o decorrer da brincadeira é que vão
conhecendo e descobrindo sobre a existência dos “Grandes Antigos” (Great Old
Ones) e de toda a mitologia. O sistema de regras é simples, majoritariamente
baseado em testes de porcentagem, e com atributos que se encaixam muito bem no
clima do cenário; esses atributos são rolados (ao invés de definidos por pontos)
e cada um tem uma forma de ser rolado – não chega a ser confuso, mas exige
livro de regras em mãos nas primeiras criações de personagens. A ficha conta
com sete atributos primários: Força, Constituição, Destreza, Tamanho,
Inteligência, Poder e Educação; sete atributos secundários: Idéia,
Conhecimento, Sorte, Bônus de Dano, Pontos de Vida, Pontos de Magia e Sanidade;
e uma lista de Habilidades, que são as conhecidas perícias. Existem duas coisas
interessantes em relação às Habilidades em Call of Cthulhu: primeiro, a
Habilidade “Mythos de Cthulhu” (Cthulhu Mythos), que não pode ter pontos na
criação do personagem (só é aumentada em campanha, e sempre com roleplay
envolvido, não apenas a “mágica dos pontos de experiência) e que tem relação
com a Sanidade; segundo, que só podem ser aumentadas Habilidades nas quais o
jogador ou a jogadora tenha obtido sucesso em algum teste e sempre com a
permissão da/do Mestre (aqui chamado/a de Keeper) – um sistema simples e
inteligente para evitar aqueles “mas como que seu personagem aprendeu a esquiar
de uma aventura pra outra se ele mora no Rio de Janeiro?”.
Mas
o que realmente me chamou a atenção no cenário e no sistema é a temática
sanidade/insanidade; esse é um tema que eu gosto muito de ver explorado (desde
que bem feito). O primeiro contato com alguma coisa relativa a
sanidade/insanidade nos RPGs que tive foi em “Vampiro: a máscara”, com os
Malkavianos; o problema é que na segunda edição do jogo eles eram tratados como
os clássicos “louco-bobão” (como por exemplo o Slot de “Os Goonies”), e essa
imagem ficou na cabeça das jogadoras e jogadores mesmo depois da tentativa de
transformá-los em “loucos-perigosos” (como o
Street-Fighter Vega ou o Coringa do filme “Batman – o cavaleiro das
trevas”) - não foi uma boa referência para mim nesse terreno. Depois tive
contato com o sistema medo, horror e loucura de Ravenloft, e achei bom, embora
o cenário seja infinitamente melhor do que o sistema. Há alguns anos conheci o
RPG “Unknown Armies”, que penso ter a melhor combinação de cenário e
sistema (não só no tocante à insanidade), mas que nunca tive a oportunidade de
jogar (pessoas que querem montar um grupo, ficaadica). Em Call of Cthulhu a
questão foi tratada como tudo o mais no livro: com simplicidade e elegância. Vejam
o que o livro diz sobre o porque dessa temática ter centralidade no cenário: A
maioria das pessoas que sofrem de graves problemas mentais estão nessa condição
desde pequenos, e vão lidar com esses problemas por toda a sua vida. Os
personagens dos jogadores e jogadoras de Call of Cthulhu tipicamente começam
sãos e em pleno uso de suas faculdades mentais. No decorrer do jogo, contudo,
eles se defrontam com conhecimentos e entidades de horror alienígena e
implicações terríveis. Tais experiências abalam e despedaçam suas crenças em um
mundo normal. E isso não é uma exclusividade do RPG, pois nos contos de
Lovecraft os “heróis” acabam lidando, de uma forma ou de outra, com a
insanidade provocada pela interação com os Mythos. E também acho muito bom esse
trecho, que aborda a questão da insanidade do ponto de vista da regras, mas que
mostra o foco na interpretação que o sistema propõe: Se uma investigadora ou
um investigador tiver ao menos um ponto de Sanidade remanescente, o jogador ou
a jogadora ainda tem total controle. O elemento estético de como a jogadora ou
o jogador escolhe apresentar o investigador quase-louco ou a investigadora
quase-louca representa a essência da interpretação. A medida que a
investigadora ou o investigador enfraquece, evidências desse enfraquecimento deveriam
se tornar aparentes. Então estar na beira da sanidade requer uma interpretação
mais forte, não menor controle do jogador ou da jogadora.
Está
aí, um resumo desse cenário e sistema (em um livro básico de quase 300 páginas,
foram vários suplementos – tudo com texto de altíssima qualidade e ótimas
imagens) que, espero, ajude a divulgar esse maravilhoso RPG que, infelizmente,
nunca foi traduzido para o português.
Ph'nglui mglw'nafh
Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn
Grande resenha, Marcus César.
ResponderExcluirRealmente vale a pena conhecer e jogar esse RPG, na minha opinião, o melhor jogo de horror e investigação.
Para quem estiver interessado em conhecer um pouco mais à fundo, indico nosso blog, o Mundo Tentacular que trata especificamente deste RPG.
Grande abraço
http://mundotentacular.blogspot.com/