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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Horror e Terror



Comecemos com uma introdução relevante e rápida sobre a dicotomia Horror/Terror. Em um número significante de casos, terror é definido com um sentimento de perturbação inerente a algo ainda desconhecido. Já o horror é normalmente definido como a resposta imediata a algo fisicamente revoltante que foi testemunhado, algo tangível e real enfim. Resumindo, terror causa apreensão e antecede o evento, enquanto horror causa choque e o sucede (sendo a repulsa um terceiro elemento discutido por Stephen King ). A importância dessa distinção se conecta diretamente com as decisões de design feitas em diversos jogos que buscam causar apreensão e medo em seus jogadores.


Suas origens na história dos videogames são mais antigas do que normalmente se pensa, começando em 1982 com o jogo Haunted House para a plataforma Atari 2600, onde o protagonista deve reunir as peças de um valioso jarro e conseguir escapar de uma casa mal-assombrada e iluminada apenas por seus próprios palitos de fósforo sem perder nove vidas, podendo carregar apenas um item de cada vez (sem contar os fósforos) para ajudá-lo nesta missão. Em 1986 foi lançado para arcades o jogo Chiller, que também ganhou uma versão não-licenciada para o console NES em 1990. Nele você controla um torturador que atira em vítimas presas de várias maneiras cruéis para mutilá-lase matá-las, além de também poder atirar em vampiros, morcegos, pássros e fantasmas aleatórios. Esse jogo se utiliza gratuitamente do elemento de repulsa citado por King.

Em 1989, foi lançado um jogo chamado Sweet Home apenas no Japão, para o console Famicom (a versão original japonesa do console NES). Tendo sido baseado num filme de mesmo nome e do mesmo ano, esse jogo narra a estória de cinco membros de uma equipe televisiva que investigam a abandonada Mansão Ichirou. O jogo possui o sistema clássico de rpgs eletrônicos da época, com combates divididos em turnos e encontros aleatórios com inimigos. O que o destaca de outros jogos no entanto, é que não havia maneira de ressuscitar personagens mortos, sendo que eles possuiam talentos únicos que poderiam ser substituídos por itens semelhantes encontrados na mansão no caso de suas mortes, apesar de cada morte alterar o final alcançado totalizando cinco conclusões diferentes. Esse jogo merece destaque por ser uma das maiores influências no clássico Resident Evil, do console Playstation. Tamanha foi essa influência que na verdade, a idéia original era de que o Resident Evil seria uma releitura de Sweet Home, como pode-se notar pelas cenas de portas abrindo durante o carregamento, os enigmas, o ambiente da mansão, a ênfase na sobrevivência, entre outros.

Um dos grandes precursores do gênero de Horror de Sobrevivência foi lançado em 1992 pela empresa francesa Infogrames, chamado Alone In The Dark. No primeiro jogo 3D do gênero, você seleciona um de dois personagens que têm interesses distintos por um piano contido na mansão Derceto, cujo dono se suicidou por enforcamento. A jogabilidade 3D, combate em tempo real e inimigos que surpreendiam o jogador com aparições repentinas, além da ameaça da porta principal da mansão são todos elementos visivelmente herdados pelo já citado Resident Evil quatro anos mais tarde. Mas sua tensão maior jaz na atmosfera opressora e cenários em sua maior parte desertos, além de inimigos que podem (e é recomendável) ser derrotados através de soluções de enigmas, com vários sendo simplesmente invencíveis em combate direto. Outra característica marcante do jogo é sua não-linearidade na exploração das áreas, algo pouco encontrado em suas continuações e praticamente na maioria dos jogos de Horror de Sobrevivência subsequentes.

Doom, originalmente feito para computadores e subsequentemente relançado para inúmeras plataformas, foi lançado em 1993 pela companhia Id Software. Pode parecer estranho citar um jogo de ação em primeira pessoa em um artigo sobre horror, mas a influência que esse jogo teria no retrato da violência em jogos não poderia ter sido imaginada, pois até aquele momento, poucos eram os jogos que ousavam apelar pra violência tão gráfica. No caso de Doom, a imagética demoníaca e visceral veio principalmente da influência do estilo Heavy Metal do qua lários dos desenvolvedores eram fãs, além das experiências do artista gráfico Adrian Carmack que, além de estar farto de fazer jogos com temática infantil como a série Commander Keen, também desejava poder exorcizar suas experiências como assistente em um hospital, onde fazia fotocópias de imagens de pacientes na sala de emergência, como por exemplo as de um fazendeiro que foi levado lá com uma cerca atravessada na sua área genital. Com influências como estas, era de se esperar que o jogo teria um clima bastante violento que, combinado com a atmosfera construída pelos então-revolucionários sistemas de iluminação, ambientes variados e controles sólidos programados pelo genial John Carmack (sem parentesco), tornaram um Doom uma referência nascida clássica e um divisor de águas no que dizia respeito à violência horrenda na indústria de videogame.

Chegamos em 1996, o ano em que Resident Evil foi lançado e inegavelmente tornou o gênero de Horror de Sobrevivência mundialmente conhecido. Abusando de ângulos inclinados e bastante cinematográficos herdados de Alone In The Dark, além de se utilizar da capacidade do console Playstation pra gerar cenários pré-renderizados retratando os variados ambientes da mansão (dessa vez não assombrada, mas tão perigosa quantos seus precurssores espirituais) que serve como pano de fundo para a trama que conta a história do grupo Alpha da equipe S.T.A.R.S., uma espécie de força especial da polícia da cidade fictícia de Racoon, que procuram a equipe Bravo pertencente à mesma organização, desaparecida enquanto investigava misteriosos assassinatos com sinais de canibalismo numa mansão nos limites da cidade. Iluminações proviam uma atmosfera sempre opressiva, além dos ângulos calculados para gerarem o máximo de suspense pela impossibilidade do jogador de muitas vezes simplesmente saber o que ele encontraria no próximo corredor. No entanto, o jogo focou-se mais no combate do que na fuga e furtividade, em contraste com jogos com Clock Tower para o console SNES, sem perder de vista a solução de enigmas que permitiam o contínuo progresso do jogador, tendo consagrado esse elemento como essencial ao gênero. Seu impacto na indústria e cultura de jogos é inegável, reunindo entre os títulos da franquia ondas de críticas positivas, múltiplos prêmios e centenas de milhões de dólares em vendas no planeta. Um ponto relevante a se considerar é que o próprio nome “Horror de Sobrevivência” foi usado pela primeira vez na capa original do jogo (no Japão conhecido como Biohazard); em inglês ainda por cima (Survival Horror); o que significa que este jogo basicamente deu o nome definitivo ao gênero.

Gênero esse que se aproximava do seu apogeu em 1999, com o lançamento de Silent Hill também para o Playstation, produzido pela empresa japonesa Konami. Ele acompanha a busca desesperada de Harry Mason por sua filha Cheryl, que desapareceu na cidade de Silent Hill após um acidente na estrada que levava os dois para a cidade. A poderosa e extremamente opressora atmosfera é gerada pela já famosa neblina que obscurece as vastas ruas e a escuridão que oculta os perigos dos corredores e salas abandonas de inúmeros edifícios. A isso é adicionado o áudio que se utiliza do melhor da música incidental composta primariamente por sons do ambiente onde o infeliz protagonista se encontra. Harry é um homem comum sem experiência em combate, o que se evidencia nos controles travados, sua rápida exaustão ao correr, o modo desastrado como maneja as armas. É só notar como ele erra muitos tiros à distâncias relativamente curtas e como pode tropeçar se houver um mudança súbita de relevo no seu caminho enquanto corre. O espaço que os três jogos iniciais dessa série dão para a interpretação por parte dos jogadores baseada nos eventos e elementos viauais encontrados durante a exploração ao invés de delinear cada detalhe da trama por documentos e explicações prolixas é mais um mérito criativo ao título.

A diferença entre filosofias orientais e ocidentais no tocante à ficção de horror se torna clara ao comparar jogos japoneses como a trilogia original de Silent Hill, Resident Evil e Fatal Frame com sucessos ocidentais como Dead Space, Alan Wake (que apesar de ser bastante atmosférico, tem bastante ação) e as continuações mais recentes da própria série Silent Hill, que foram repassadas para estúdios ocidentais após o desmantelamento da equipe japonesa Team Silent. Pessoalmente, vejo os jogos mais sutis e com técnicas de amedrontamento mais voltadas para a atmosfera e trama muito mais poderosos e duradouros do que os jogos que dependem de sustos repentinos e violência gráfica apelando pra repulsa.

Um raro exemplo ocidental disso é o jogo Amnesia: The Dark Descent, produzido pelo estúdio independente sueco Frictional Games. Nele, você controla Daniel, um jovem londrino que desperta em um dos corredores de um castelo prussiano sem qualquer memória de seu próprio passado, exceto pelo seu nome, sua moradia e que algo está caçando-o. Começando o desenrolar dos mistérios com uma nota escrita para si mesmo, o jogo progride revelando seu foco na exploração e na legítimia sobrevivência, pois você praticamente não encontra armas para se defender. Somado a isso um medidor de sanidade que reage à quantidade de escuridão e ameaças nop caminho do protagonista, você tem uma fórmula surpreendentemente promissora de legítimo terror, comprovado pela quantidade massiva de vídeos registrando a reação apavorada de grupos inteiros de jogadores aos acontecimentos (e também ausência desses, gerando tremendo suspense e tensão).

Esse post é meramente introdutório e nem de longe há pretensões de cobrir a riqueza do gênero de Horror de Sobrevivência em tão poucas linhas. Sem dúvida muitos jogos memoráveis (e outros nem tanto) foram omitidos em nome da brevidade, mas valeu a pena fazer um apanhados dos principais jogos que marcaram sua história ainda em andamento e no momento infelizmente focando-se mais no lado da ação do que no suspense e exploração. Faço questão de citar a relevância desse gênero pois um de seus mais ilustres filhos, Silent Hill 2, foi um dos jogos mais citados a favor do argumento que jogos podem ser uma legímita forma de arte, justamente por focar no poderoso desenlace psicológico de seu protagonista e coadjuvantes até o ponto da catarse ao invés de servir como mero pano de fundo para escapismo e realização de fantasias de poder adolescente, algo infelizmente ainda mais prevalente nesses dias atuais de liberdade tecnológica e repressão criativa em prol da aversão de risco financeiro.

Mas como jogos de sucesso como Penumbra e do já citado Amnesia (ambos do mesmo estúdio), parece haver uma luz no fim do túnel. Se ela se revelará como uma saída para campos mais criativos ou apenas como mais um monstro ludibriando os esperançosos, só o tempo dirá.

Um comentário:

  1. Gosto muito de RE, principalmente da trilogia do play1 por se forcar mais na atmosfera e no ambiente; os mais recentes prezam demais a ação, embora ainda me agrade. Silent Hill eu jogo suando de medo, mas é muto bom depois que termina. Joguei o 1, 3, e Memories. Falam bem desse segundo, e não vejo a hora de jogá-lo. Lendo esse posto me deu mesmo vontade. :)
    Aliás, o texto foi interessante; nem sabia das origens deste tipo de jogo. :)

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